quarta-feira, 22 de julho de 2009

Os desafios da formação política da militância do Movimento Negro Unificado – MNU

Os desafios da formação política da militância do Movimento Negro Unificado – MNU

Ilma Fátima de Jesus1

Pelos caminhos da militância

Procuramos evidenciar a necessidade de uma contínua formação política das/os militantes do Movimento Negro Unificado - MNU, considerando a necessidade de ampliação dos quadros da organização, a fim de manter a atuação de forma qualificada, haja vista a proliferação de entidades e organizações não-governamentais que buscam aliar-se ao MNU com o objetivo de afirmarem-se e, ao mesmo tempo, talvez, suplantar a nossa. Entendemos que a formação deve nortear o conhecimento sobre as linhas de ação contidas nos documentos básicos do MNU.

Sou militante do MNU há 25 anos. Entrei para a organização quando a mesma completava seis anos de existência e comemorava os anos de luta no Teatro Sérgio Cardoso, à Rui Barbosa, no bairro da Bela Vista, mais conhecido como Bexiga, levada por um militante que já atuava no movimento desde 1981, Adomair O. Ogunbiyi, que conhecia desde os meus 17 anos, hoje companheiro de vida e luta.

No MNU São Paulo naquela época, estava o Miltão, Milton Barbosa, como era conhecido, um dos fundadores do movimento. Aos poucos nossa militância foi crescendo. Eu era uma pessoa tímida, de pouco falar. Na militância era cobrada pelo Adomair, que também não falava muito em público, que era preciso fazer palestras, falar sobre a história do nosso povo e lá fui eu pesquisar, estudar mais, tentar organizar as idéias para poder atuar. Já havia uma consciência negra, um interesse e então o que queríamos, manter nossas raízes, se acentuou.

Percebi que a consciência, que já possuía na época, veio antes da entrada no MNU, pois frequentamos os bailes organizados por equipes compostas por negros na época do movimento black soul. O que queríamos mesmo era estar entre os nossos irmãos e nossas irmãs. Depois, na faculdade que começamos a cursar em 1978, discussões sobre a ausência da questão racial nos cursos foram importantes para que criássemos um grupo de negros e, como ocorereu em outros espaços acadêmicos, nosso grupo com os poucos negros/as que conseguiram adentrar esse meio inseria na Semana Cultural a temática etnicorracial. Foi no ano de 1980, quando conseguimos organizar um debate na faculdade, que conheci o Prof. Kabengele Munanga. Nosso saudoso militante Hamilton Cardoso também estava presente, além da jurista Eunice de Jesus.

Esses passos dados foram importantes pois acompanhei de perto a fundação do movimento negro e poderia estar lá no ato, propriamente dito, mas como priorizava o estudo, não fui ao Teatro Municipal de São Paulo. Sabemos que o movimento negro como proposta política, surge ou ressurge naquele ato do dia 7 de Julho de 1978, hoje conhecido como Dia Nacional de Luta Contra o Racismo, organizado por ativistas históricos, muitos deles ou delas presentes na luta nossa hoje. A criação do MNU como espaço de debates sobre o racismo, a discriminação e o preconceito raciais, trouxe de volta o protesto negro, lembrando Carlos Assumpção que escreveu um poema com este título, que esteve também na atividade de seis anos do MNU.

Enfim, esse retorno à cena pública, com uma posição de esquerda revolucionária e ideologicamente assumida de radicalismo racial, que contesta a ordem racial de origem escravocrata mantida pela burguesia e que fazia da democracia racial um mito como no movimento pelos direitos civis dos negros americanos, incluía o nacionalismo negro e a luta pela libertação dos povos africanos.

Muitas obras acompanham o surgimento do MNU. Uma delas, O Genocídio do negro brasileiro, de Abdias do Nascimento, um dos fundadores do MNU, é uma das obras que passa a ser lida por militantes. Também Frantz Fanon, com Pele negra, máscaras brancas é leitura obrigatória. O Movimento Negro Unificado - MNU sempre procurou editar um jornal de circulação nacional, a exemplo do Jornal Nêgo, editado pelo MNU da Bahia, na década de 80, seguido de outras iniciativas da militância.

Nos anos 90 Lélia Gonzalez, em entrevista para o Jornal do MNU dizia:

        [...] no que diz respeito às questões político-ideológicas, a coisa é séria, a meu ver. O que a gente percebe é que o MNU cutucou a comunidade negra no sentido de ela dizer também qual é a dela, podendo até nem concordar com o MNU. (MNU Jornal, n° 19, maio/junho/julho, 1991, p. 8-9.)

Uma das bandeiras de luta da nossa organização tem sido a valorizar o negro e a negra e chamar a atenção para a contribuição do povo negro na construção do país. A sugestão de introdução de estudos africanos a partir da inserção da história da África no currículo escolar é defendida na Carta de Princípios do MNU, já em 1978, bem como no Programa de Ação.

Na Constituição de 1988, a inclusão na Carta Magna de reivindicações históricas do movimento negro se dão na área educacional e no que se refere às relações etnicorraciais, merece especial atenção o artigo 242, § 1º: O ensino da História do Brasil levará em conta as contribuições das diferentes culturas e etnias para a formação do povo brasileiro.

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB 9.394/1996) é alterada em seus artigos 26 e 79 pelas Leis 10.639 e 11.645, que são assinadas apenas neste século, apesar de representarem um avanço para a educação das relações etnicorraciais e o ensino de história e cultura afrobrasileira e africana.

Vale destacar que a preocupação do MNU com a educação, com o currículo escolar e com a formação de educadores/as já apontava para a questão das relações etnicorraciais no cotidiano da sala de aula, assim como para situações preconceituosas e discriminatórias ocorridas no espaço escolar.

Desde a III Conferência Mundial contra o Racismo, em Durban, na África do Sul, em 2001, houve uma mobilização das organizações do movimento negro, que destacaram, entre outras ações de combate ao racismo em nossa sociedade, a necessidade de olhar a educação como prioridade, chamando atenção para as diretrizes curriculares aprovadas em março de 2004, ocasião em que a Profª Petronilha Beatriz Gonçalves e Silva, relatora e conselheira representante da temática etnicorracial no Conselho Nacional de Educação apresentou as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino da História e Cultura Afro-Brasileira, aprovadas por unanimidade pelos/as conselheiros/as.

A Lei e as Diretrizes precisam acompanhar as ações necessárias para promoção da igualdade etnicorracial no país, no espaço escolar, consistindo-se em um passo importante, em face da necessidade que temos de mudar o imaginário sobre a África, o que incide em mudanças no imaginário social sobre a população negra no Brasil. O material didático ainda não nos visibiliza como deveria. O Plano Nacional de Implementação das Diretrizes Nacionais para Educação das Relações Etnicorracais e para o Ensino de História e Cultura Afrobrasileira e Africana (2009) tem como base estruturante seis eixos, a saber: 1. Fortalecimento do marco legal; 2. Política de formação para gestores/as e profissionais de educação; 3. Política de material didático e paradidático; 4. Gestão democrática e mecanismos de participação social; 5. Avaliação e Monitoramento e 6. Condições institucionais. O Plano indica que é preciso manter permanente diálogo com instituições de ensino, gestores/as educacionais, movimento negro e sociedade civil organizada para a implementação das Leis 10639 e 11645.

Os desafios da formação política da militância

Enfrentamos desafios na militância e temos de refletir sobre a formulação do Projeto Político do Movimento Negro para o Brasil que aparece como tema do X Congresso Nacional do Movimento Negro Unificado; MNU, realizado no mês de abril do ano de 1993, na cidade de Goiânia; Goiás, o que fez com que as teses formuladas pelas/os delegadas/os pudessem contribuir para se pensar em propostas políticas que deveriam compor o projeto político do Povo Negro e quais as políticas prioritárias para serem colocadas em prática na luta para que os objetivos do projeto político fossem alcançados. A formulação, hoje apropriada pelo conjunto do movimento negro, norteará os avanços já anteriormente propostos pelo MNU.

A militante fundadora do MNU, Lélia Gonzalez (1991), afirmava:

        [...] A questão da militância tem que ter esse sentido e aí nós temos que aprender com os nossos antigos, os africanos, esse sentido da sabedoria, esse sentido de saber a hora em que você vai interferir e como você vai interferir, fora desse lance individualista.

Entendemos que para se ter uma sólida formação da militância no MNU é preciso conhecer o que é, como surgiu e quais são os objetivos do MNU; como se organiza o MNU; quais as contribuições do MNU à luta do povo negro no Brasil e no mundo; como se dá a atuação do MNU nos estados; onde encontrar o MNU no país. Isso implica saber como o racismo é perverso e como combatê-lo.

Todas/as as/os filiadas/os devem assumir os documentos básicos da nossa organização, ou seja: Estatuto, Programa de Ação, Carta de Princípios e Regimento Interno, comprometendo-se a cumprir orientação advinda de decisão coletiva. Consideramos importante, ainda, tratar de temas como: Educação, Trabalho, Território, Saúde, Cultura, Juventude, Gênero, Religiosidade, Solidariedade Internacional, entre outros temas. Pensamos que é por aí que a formação política da militância deve seguir, sem esquecer de que temos muita produção dentro do MNU, materiais que refletem o que precisamos na organização, com autoria da militância que atua nas várias regiões do país, que poderá subsidiar a formação militante que a atuação no MNU requer.

REFERÊNCIAS

FANON, Frantz. Pele Negra, máscaras brancas. São Paulo: Fator, 1983.

GOMES, Nilma Lino e Munanga, Kabengele (orgs.). Para entender o negro no Brasil de hoje. São Paulo: Ed. Global, 2005

GUIMARÃES, Antonio Sérgio Alfredo. A recepção de Fanon no Brasil e a identidade negra. Novos Estudos – CEBRAP nº.81 São Paulo Julho 2008.

JESUS, Ilma Fátima de. O pensamento do MNU. In: SILVA, Petronilha Beatriz Gonçalves & BARBOSA, Lúcia Maria de Assunção (Orgs.) O Pensamento Negro em Educação no Brasil: Expressões do Movimento Negro. São Carlos: Ed. da UFSCar, 1997

____ Educação, gênero e etnia em território negro. In: LIMA, Ivan Costa, SILVEIRA, Sônia Maria (Orgs.) Negros, Territórios e Educação. Nº 7. Florianópolis: Núcleo de Estudos Negros/NEN, 2000. (Série Pensamento Negro em Educação)

LOPES, Véra Neusa. Racismo, Preconceito e Discriminação. Procedimentos didático-pedagógicos e a conquista de novos comportamentos. IN: MUNANGA, Kabengele (org.). Superando o racismo na escola. Brasília: MEC – SECAD, 2005

Movimento Negro Unificado – VIII Encontro de Negros do Norte e Nordeste. O Negro e a Educação. Recife: MNU/Cia. Ed. Pernambuco, 1988

_____. Programa de Ação – Estatuto. Salvador: MNU,1990

_____. Jornal do MNU - n° 19, maio/junho/julho, 1991, p. 8-9.

MUNANGA, Kabengele. Rediscutindo a mestiçagem no Brasil. Petrópolis, RJ: Vozes, 1999.

NASCIMENTO, Abdias. O genocídio do negro brasileiro. Processo de racismo mascarado. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1978.

_____. Reflexões sobre o Movimento Negro no Brasil, 1938-97. Brasília: Thoth, N.º. set /dez. 1997

OGUNBIYI, Adomair O . Racismo, Discriminação e Preconceito raciais: definir é preciso. VI Congresso Afro-Brasileiro – Fundação Joaquim Nabuco 17 a 20.04.1994 – Recife – PE.

_____. O que é movimento negro? São Bernardo do Campo, SP: Cadernos Papo Sério – Movimento Negro Unificado – MNU, 1996.

SILVA, Petronilha Beatriz Gonçalves e. Aprendizagem e ensino das Africanidades Brasileiras. IN: MUNANGA, Kabengele (org.). Superando o racismo na escola. Brasília: MEC – Secretaria de Educação Fundamental, 2005

segunda-feira, 6 de julho de 2009

XVI CONGRESSO NACIONAL DO MNU DELIBERA QUESTÕES FUNDAMENTAIS PARA A LUTA DA ENTIDADE E DE NEGRAS E NEGROS BRASILEIROS.

Informando às irmãs e irmãos do MNU e ao MN em todo o Brasil.

XVI CONGRESSO NACIONAL DO MNU DELIBERA QUESTÕES
FUNDAMENTAIS PARA A LUTA DA ENTIDADE E DE NEGRAS E NEGROS BRASILEIROS.

Por Reginaldo Bispo(*)


O XVI Congresso Nacional do MNU realizado no ultimo fim de semana em Itapecerica da Serra - SP, teve participação dos estados do MA, CE, PE, SE, BA, DF, RJ, SP, PR, SC, RS.

Durante três dias, os delegados debateram: 1. Avaliação da conjuntura; 2.Projeto Político do Povo Negro para o Brasil; 3.Reparação Histórica e Humanitária e de 5.Um Plano de Lutas por bandeiras emergenciais do Povo Negro.
Muitas foram as analises, propostas e resoluções nestes temas, em geral baseadas na única Tese “Por um MNU autônomo, independente, compromissado e profundamente inserido na população negra”, assinada por militante-delegados de Campinas-SP, e aprovada em seus principais temas pela ampla maioria dos delegados.

Os congressistas também discutiram e deliberaram quanto a posição do MNU sobre o Estatuto da Igualdade Racial, concluindo pela Retirada do atual texto do Congresso, por suas deficiências da não conceituando abrangente do que seja o racismo, repetindo a fragilidade da lei Caó, dificultando o enquadramento do Racismo nas delegacias e em juízo, tornando-a inócua para a criminalização e condenação dos racistas. O estatuto é autorizativo, não obriga com força de lei, o governo ou ao estado implementá-la. Não tem verba orçada para execução, ficando portanto, mercê das manobras político-eleitorais e da boa vontade política do governante de plantão; Não foi um projeto ampla e suficientemente discutido com o Movimento e a População Negra; O estatuto pode se constituir em uma camisa de força tolhendo o protagonismo de negras e negros na luta contra o racismo nas próximas gerações, comprometido seriamente nas suas proposições e intenções iniciais, na medida em que está sendo negociada com setores conservadores de direita, do DEM, PMDB, PSDB e dos Ruralistas , a retirada das Cotas para negros e do direito das populações Quilombolas a Titulação de suas Terras tradicionais.

O MNU, em seu XVI Congresso Nacional, decidiu que não é contra a idéia de um Estatuto da Igualdade, mas, CONTRA O TEXTO ATUAL, entendendo que o Estatuto da Igualdade Racial deve ser retirado da pauta do Congresso Nacional, até que, após ampla discussão por negros e negras de todo o Brasil, um novo projeto possa ser apresentado, definindo e unificando a posição da entidade nacionalmente, sobre o tema.

Os participantes do XVI Congresso do MNU, também definiram a posição sobre o II Conapir,que acontecerá no final deste mês junho, em Brasília. A militância do MNU entende que após o I Conapir, quase nada das demandas dos negros de todo o Brasil foi implementado; Que negras e negros devem se manifestar pela cobrança ao governo, do porque do não avanço de questões emergenciais como: A titulação das terras quilombolas, da lei 10639; Na proteção da vida de nossa população e nossos jovens; No combate aos crimes religiosos; Nas garantias da mais ampla dignidade e cidadania, com investimentos do governo que proporcionem conforto ás populações negras, indígenas e pobres, através de obras publicas de grande envergadura com a construção de moradias, saneamento básico e de equipamentos públicos voltados para a educação, saúde, cultura e lazer, bem como em defesa do meio ambiente, de modo que beneficiem essas populações excluídas e marginalizadas.

Portanto, entendem que a posição de seus militantes deve ser de exigência, ao governo e a Seppir no II Conapir, a estabelecer prazos para a implementação das resoluções do I Conapir, ao invés da reelaboração e readequação daquelas demandas, reivindicações e direitos. Os delegados da Conapir devem exigir a imediata implementação daquelas políticas emergenciais esperadas pela população negra, indígena e pobre, a mais de 500 anos. O XVI Congresso Nacional do MNU convoca portanto, a sua militância, a participar com esse viés, e faz um chamado aos demais delegados a fazer o mesmo. .

Em seu Congresso, o MNU reafirma seu caráter independente de partidos e de governos na luta contra o Racismo, por uma verdadeira Republica onde reine a mais ampla democracia popular, e dá passos fundamentais no sentido da unificação de suas posições nacionais, dando continuidade e consolidando a disposição amplamente majoritária, de transformar o MNU em uma ORGANIZAÇÃO POLITICA NEGRA.

Dentre as muitas analises, avaliações e propostas debatidas e deliberadas, que serão divulgadas em oportunamente, a próxima Assembléia Nacional do Conneb em Porto Alegre recebeu um tratamento e atenção especial. O CONNEB deve ser a principal prioridade da Organização, a curtíssimo prazo, pois a militância do MNU entende que esse é o principal acontecimento estratégico para o povo negro, nos últimos 50 anos, por iniciativa do MN, e que as duas últimas Assembléias do RS e da BA, são fundamentais para Construção do Projeto Político do Povo Negro Para o Brasil e de um Projeto de Reparação Histórica e Humanitária Para Negros e Indígenas, em função do escravismo, do colonialismo e do racismo.

O XVI Congresso conclama os militantes e filiados do MNU em todo o Brasil, bem como a negras e negros a se somarem nesta luta, na construção da Assembléia Nacional do Conneb em Porto Alegre, nos dias 23 a 26 de julho, e de Salvador em novembro, construindo as duas assembléias mais representativas e produtivas do Conneb.

Finalmente foi eleita a nova Coordenação Nacional - CON do MNU composta por 9 membros, de vários estados. Que terá a responsabilidade de conduzir, orientar, organizar e unificar as ações e lutas do MNU, nacionalmente pelos próximos 02 anos:

1. Coordenação Nacional: Vanda Pinedo - MNU/SC,
2. Coordenação de Organização: Reginaldo Bispo - MNU/SP
3. Coordenação Finanças: Geilma -MNU/SE
4. Coordenação de Formação: Ilma - MNU/MA
5. Coordenação de Comunicação: TOM - MNU/SP
6. Coordenação de Relações Internacionais: Milton Barbosa - MNU/SP
7. Coordenação de Articulação nos Estados: Geison - MNU/RJ
8. Coordenação de Articulação Urbana: Conceição - MNU/SP
9. Coordenação de Articulação Rural: Kim - MNU CE



- Viva a luta de negras e negros Contra o Racismo!
- Longa vida ao MNU - Movimento Negro Unificado!
- Pela retirada do texto atual do Estatuto da Igualdade Racial do Congresso!
- Pela mais ampla discussão de um novo texto, mais fiel aos interesses de negras e negros!
- Pela cobrança ao governo das demandas levantadas no I Conapir!
- Exigir prazos para a implementação das demandas emergenciais de combate ao racismo!
- Pela Construção de um PROJETO POLITICO DO POVO NEGRO PARA O BRASIL!
- Por REPARAÇÕES HISTORICAS E HUMANITÁRIAS AO POVO NEGRO E INDIGENA!
- Todos presentes e construindo o Conneb no RS!

(*) Reginaldo Bispo - Coordenação Nacional de Organização - MNU

Estatuto da Igualdade Racial Um debate necessário sob o contexto atual do Racismo no Brasil. Por Emir Silva(*)

Estatuto da Igualdade Racial
Um debate necessário sob o contexto atual do Racismo no Brasil.
Por Emir Silva(*)


O XVI Congresso Nacional do Movimento Negro Unificado – MNU – realizado de 10 à 14 de Junho em Itapecerica da Serra, São Paulo, debateu entre outros temas o Estatuto da Igualdade Racial abordando aspectos relacionados a sua não aprovação durante mais de uma década, entre avanços e conquistas da legislação anti-racista desde a Promulgação da Constituição Brasileira ao enfrentamento atual da elite brasileira às Ações Afirmativas e ao conceito de Reparação, que mesmo ainda incluso, apresenta um fundamento básico em resgatar o que foi espoliado pela ideologia racista que construiu o Estado Brasileiro sob o Regime Escravocrata capitaneado pelo Colonialismo Europeu. Neste contexto, evidenciou-se no mesmo período avanços significativos na criação de estruturas governamentais como a SEPPIR – Secretaria Especial para Promoção da Igualdade Racial – que construiu, formulou, e planejou diretrizes oriundas do acúmulo do movimento negro, porém foi ineficiente na implementação de políticas públicas específicas para a população negra, tanto quanto o poder público das esferas estaduais e municipais em todo o país, por problemas estruturais, orçamentários e de gestão caracterizando importantes fatores concomitantes ao processo de tramitação do Estatuto da Igualdade Racial no Senado e agora numa Comissão Especial na Câmara dos Deputados. Após várias versões entre relatórios, substitutivos, emendas modificativas, aditivas, requerimentos, propostas ministeriais, argumentos pela constitucionalidade, juridicidade, técnica legislativa, concepções e adequações governamentais, partidárias, interesses da oligarquia e audiências públicas, o Estatuto ainda não foi aprovado. O fato é que esta proposição embora não sendo obra resultante do debate do movimento social negro organizado, tornou-se uma coletânea de medidas com extrema importância para avançarmos em políticas públicas específicas para a população negra, e também refletiu o suor, o sangue, e a vida do movimento negro brasileiro que esbravejou em resistência negra no tradicional trabalho de base, de corpo a corpo, identificando a olho nu as necessidades fundamentais do povo negro mesmo fora das estruturais convencionais de poder. O princípio de
consciência negra foi o primordial norteador da formulação temática de políticas públicas através da movimentação nacional de ativistas anti racistas em espaços e territórios na cidade e no campo; entre terreiros e quilombos, entre nossas manifestações culturais, e principalmente entre a dura realidade do racismo em nossas comunidades estampando a desigualdade racial através do pragmatismo da exclusão ao desenvolvimento sócio, político, econômico, e cultural do país. Este referencial de produção política, intelectual, e teórica de caráter democrático e popular estabeleceu uma nova vertente de pensamento que construiu ações temáticas específicas para a população negra nas áreas de educação, cultura, saúde, gênero, terra, trabalho e renda, religiosidade, juventude, etc.
Idealizando uma concepção estratégica de combate ao racismo e um protagonismo em medidas concretas para os poderes constituídos, legislativo, executivo e judiciário no intuito de garantir a verdadeira democratização do Estado e da Sociedade em nosso país. O Contexto Atual das Relações Raciais no Brasil estabelece novos parâmetros para debatermos o Estatuto da Igualdade Racial entre vários fatores relacionados com a sua longa tramitação, e a realidade
contemporânea de conquistas e retrocessos de processos e reivindicações históricas do movimento negro. Outro fator preponderante é que mesmo com "estruturas" governamentais foram muitas as dificuldades de implementação efetivas de políticas públicas institucionais. Nota-se também que as mesmas questões temáticas perpassaram entre vários fóruns diferentes resultando em encaminhamentos, resoluções e diretrizes comuns, porém, sem efetividade como
política governamental. O texto do PL6264/2005 acolhe todas essas contribuições, mas expõem contradições explícitas em relação a políticas de Estado e de Governo talvez o próprio tempo de aversão à proposição possibilitou a sua descaracterização e desgaste. O Fundo de Reparação representaria um dos conceitos da responsabilidade do Estado, mas pelo afã de uma aprovação imediata buscou-se a adequação aos limites institucionais sob forte influência do racismo institucionalizado. A linha de articulação da aprovação do Estatuto está tomando um perfil de honra tornando a lei muito vulnerável para uma política de durabilidade. É notório o distanciamento do conceito de Reparação na redação atual e lamentável o caráter apenas "autorizativo", no que tange, a responsabilidade e o dever dos poderes constituídos em "implementar" as medidas.
O Art. 1º diz: ...combater a discriminação racial e as desigualdades estruturais e de gênero.... Talvez a incessante repetição do termo "Fica autorizado ª " impossibilite essa função. O Art. 2º não considera o termo Racismo e o seu conceito ideológico. No Art. 4º a adoção da diretriz político jurídica de Reparação depara-se com seguidas ausências de termos como; fazer, implementar, dever, mantendo-se em todos os artigos o caráter de orientação, incentivo, e promoção. A partir do Art. 5º nota-se uma série de iniciativas já encaminhadas entre programas e medidas temáticas e estruturais que fazem parte de diretrizes e resoluções de Congressos, Seminários, Conferências, Tratados, Acordos e Convenções Nacionais e Internacionais. O maior exemplo são as resoluções da I Conappir, que também sob influência de tais fóruns, não conseguiu implementadas suas diretrizes. E só agora 4 anos após a I Conferência e uma semana antes da II
Conappir o Governo Federal publica o Decreto 6.872/09 do Plano Nacional de Promoção da Igualdade Racial definindo os objetivos, ações, metas, monitoramento, articulação, etc. Temos que analisar e refletir muito sobre esses aspectos. Nos Artigos 6º e 7º do Estatuto que trata da criação dos Conselhos deve-se considerar que esses órgãos já existem em muitos estados antes da própria apresentação do Estatuto, e que o Art. 6º apenas autoriza os poderes, de praxe os Conselhos foram uma conquista do movimento negro em cada região; atualmente muitos desses mecanismos são obsoletos e sem poder de propor, promover, a acompanhar as políticas públicas. O que exige um maior debate para o fortalecimento desses organismos. Quanto aos Arts. 8º e 9º deve-se fazer uma pergunta: E o Conselho da SEPPIR, o CNPPIR ? Sobre o Art. 10º Esta relação
deveria acontecer com a SEPPIR em relação aos Ministérios, acontece com efetividade? O Decreto 6.872/09 trata disto, esperamos que funcione. Sobre os Direitos Fundamentais baseados na Constituição e Específicos para a População Negra temos um bom Capítulo para a Saúde embora com os termos "autorizados", mas já deveríamos ter um Programa Nacional de Saúde da População Negra independente da aprovação do Estatuto. Isto significa que nos últimos dez anos o poder público não assumiu de fato a sua responsabilidade com esse tema, mesmo com algumas conquistas do movimento negro. O Art. 19 do Capítulo II do Direito à Educação, Cultura, Esporte, e Lazer poderia considerar; patrimônio cultural "material e imaterial", o Inciso 1º poderia ser; ...entidades do "movimento negro". No Art. 20º não se trata de "solidariedade" mas de reconhecimento e dever do poder público. O Art. 21 trata de um tema já aprovado na lei 10.639 e que sabidamente não foi implementado pelo poder público em todo o Brasil, salvo raríssimas exceções de experiências inclusas. Os artigos 22,23, e 24 tratam de medidas que o Ministério da Educação já deveria ter implementado para fortalecer a implementação da Lei 10.639, no entanto, a orientação é autorizar a inclusão, incentivar, e nunca implementar. No capítulo III Do Direito à Liberdade de Consciência e de Crença e ao Livre Exercício dos Cultos Religiosos, a priori deve ser debatido em função de muitos termos inadequados como no Art. 25; O reconhecimento da "liberdade de consciência"... ? "da dignidade"? "filiação religiosa" ? seguindo, "individual e coletiva, em público ou em ambiente privado". Tudo parece um pedido de concessão ao Estado sob uma permissão Cristã diante de uma religião ilegal que de fato não existe. No Art. 26 I - "práticas litúrgicas", "celebrações comunitárias", "fundação e manutenção, por iniciativa privada, de espaços ( seria Ilês, Terreiros) reservados para tais fins" Bem, parece a fundação de uma igreja. III "instituições beneficentes" ligadas às religiões de matriz africana, isto deve ser melhor elucidado. V - é importante ressaltar que já existem jornais, revistas, programas (principalmente no rádio) que firmaram a resistência contra a intolerância religiosa às religiões de matriz africana, o que é necessário é incentivo público para a estruturação desses veículos de comunicação.. VI –
"coleta" de contribuição financeira não pode ser confundida com o díssimo. VII – é importante ressaltar;....meios de comunicação "públicos e da iniciativa privada" pois mesmo os públicos não abrem espaço, e os privados fazem campanha contra a religião de matriz africana além de produzirem programas de humor banalizando os sacerdotes. O Art. 27 é um avanço se for contemplado, porém deve ser aperfeiçoado, pois pode ser generalizado do ponto de vista laico. No Art. 28 a assistência deve ser a todos os pacientes não somente aos praticantes da religião matriz africana, como acontece no Hospital Conceição em Porto Alegre.
Art. 29; O Estado tomará medidas necessárias para o combate à intolerância com as religiões de matrizes africanas e à discriminação de seus seguidores, especialmente com o objetivo de: I – coibir a utilização dos meios de comunicação social para a difusão de proposições, imagens ou abordagens que exponham pessoa ou grupo ao ódio ou ao desprezo por motivos fundados na religiosidade de matrizes africanas; muito bom. No II – poderia ser acrescido; territórios, espaços públicos e privados, patrimônio material e imaterial, etc. III – poderia ser colocado também a necessidade de representação simbólica da religião de matriz africana nos espaços públicos do país, pois nos poderes executivos, legislativos e judiciário, principalmente, só encontramos os símbolos do cristianismo. No Art. 30 poderia ser: " O Poder Público implementará ações sócio educacionais propostas por entidades afro-brasileiras...... Todo o capítulo IV é realmente uma questão relevante, no inciso 2º a determinação de prazo orçamentário de 05 anos a partir da aprovação do Estatuto é incompatível com a análise atual da situação orçamentária da própria SEPPIR, que tem 07 anos de Governo, além dos problemas de gestão para a implementação de programas, como na articulação de ações de transversalidade de políticas interministeriais e em prioridade de programas e recursos para a população negra. As
Coordenadorias em todos o país estão obsoletas do ponto de vista orçamentário, cumprindo um papel de representação pública da questão racial, e sem financiamento federal, estadual, e municipal, salvo raras exceções A I Conappir encaminhou várias diretrizes que estão nesse capítulo e não conseguiu implementá-las. Então esta questão é política, evidenciando o racismo institucional e exigindo um amplo debate a partir do movimento social negro organizado para o fortalecimento da implementação e financiamento das políticas públicas para a população negra no Brasil. No capítulo V, Art. 35 a redação deve ser rediscutida, pois a mulher negra não deve ser tratada como "beneficiária" mas como detentora de direitos históricos pela construção do país. No mesmo artigo, VI – a promoção de campanhas de sensibilização contra a "marginalização" da mulher afro-brasileira no trabalho artístico e cultural. É isso mesmo? No capítulo VI do Direito dos Remanescentes das Comunidades dos Quilombos às suas Terras, onde o próprio Decreto 4887/03 não é citado em nenhum momento talvez por questões técnicas do legislativo, o referencial é apenas o art. 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição Federal, mas o fato é que essa conquista está sendo contestada pelas Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIN'S) apresentadas pelo DEM e PSDB, a questão da terra é um dos principais motivos destes partidos em não aprovarem o Estatuto da Igualdade Racial. Além disto, tivemos uma verdadeira ineficiência do Governo Federal para a titulação das terras remanescentes de quilombos. Essa é uma das principais lutas do movimento negro brasileiro que tem a responsabilidade de construir uma agenda de mobilização e reivindicação de Reparação ao Estado Brasileiro cobrando dos poderes públicos a imediata titulação das terras quilombolas. As questões do Capítulo VII sobre o Mercado de Trabalho já são conhecidas de resoluções de outros fóruns nacionais e internacionais, inclusive da I Conferência da SEPPIR quanto foi articulado alguns grupos de trabalhos e programas com o Ministério do Trabalho, porém esses processos ficaram inclusos, a atual crise econômica assola diretamente a população negra aumentando o desemprego, o contexto atual exige que o movimento negro organizado e as comissões e secretarias de combate ao racismo das centrais sindicais assumam essas proposições do Estatuto da Igualdade Racial e as próprias resoluções das Conferências da SEPPIR e transformem em bandeiras de lutas com uma pauta específica de campanha pelo emprego e renda para a população negra. Bem como a Questão Quilombola o Capítulo VIII, do Sistema de Cotas e o Capítulo IX dos Meios de Comunicação se caracterizam como propostas sob uma grande resistência de boa parte da sociedade brasileira, o movimento negro tem sofrido um verdadeiro combate da elite e da direita, principalmente, que tentam suprimir as conquistas da legislação anti racista, também por ADIN'S, nessa campanha estão os monopólios dos meios de comunicação, os 113 Cidadãos Anti Racistas Contra as Leis Raciais (muitos desses intelectuais se construíram expressando em boa parte de suas obras a temática afro brasileira), partidos de centro e direita, com suas bancadas ruralistas e neo pentecostais que são contrários às ações afirmativas no Congresso Nacional, empresários, o Movimento Negro Socialista, a FORAFRO (Fórum Afro da Amazonia), lideranças de esquerda, entre outros. Mesmo no caso das Ouvidorias, Capítulo X, que pode ser considerado um SOS Racismo que já existe na Assembléia Legislativa de São Paulo, por exemplo, como no texto do Capítulo XI Do Acesso à Justiça, que poderia ser apresentado inclusive na Reforma do Judiciário, a aversão desses setores será intensa devido aos seus interesses corporativos e por representarem a oligarquia que detém o poder econômico ou ostenta privilégios no Brasil. Então, o desafio para a aprovação do Estatuto da Igualdade Racial exige uma rediscussão do seu temário, como a inclusão de um Capítulo específico para a juventude negra, uma repactuação com o movimento negro organizado, um posicionamento político e programático dos partidos e organizações do movimento social comprometidos com a luta de combate ao racismo, para que possamos constituir um mecanismo legislativo que efetivamente responsabilize o Estado, apontando os seus deveres diante dos direitos da população negra do Brasil sobre as Dívidas Pelos Crimes Cometidos pelo Estado Escravista. As considerações e sugestões expostas sobre o Estatuto da Igualdade Racial, não refletem a intenção ou o objetivo de desqualificá-lo, mas em demonstrar a necessidade de um amplo debate nacional para a sua reestruturação e fortalecimento. Onde o conjunto do movimento social negro poderá contribuir muito mais que iniciativas individuais. O debate coletivo do XVI Congresso Nacional do Movimento Negro Unificado reforça a essência e a responsabilidade desta Organização Política, Autônoma e Independente em abordar questões temáticas sempre sob uma ótica estratégica de libertação do Povo Negro.

"O Tempo e a História dizem: o CONNEB, Congresso de Negras e Negros do Brasil está cada vez mais fortalecido em sua essência estratégica, boa luta para todos."

Uma Contribuição de: (*)Emir Silva – Executiva Estadual do Movimento Negro
Unificado/RS